A gente sabe quando é real. Sabe quando é verdade.

A gente sabe quando é real. Sabe quando é verdade. Sabe quando é amor. Nem sempre ele dura ou acontece como imaginamos, mas a gente sempre sabe quando ele aparece.

Maria já havia sentido algo parecido outras vezes. A sensação era familiar. O coração acelerado, a respiração ofegante, os pensamentos confusos, aquela sensação de borboletas no estômago e aquele sorriso bobo nos lábios. Mas, dessa vez havia algo diferente.

Gustavo era diferente. Animado, engraçado, fazia as brincadeiras certas no momento ideal. Compreensivo, responsável, carinhoso, esforçado. Maria poderia listar as qualidades dele uma a uma e tinha certeza de que nunca terminaria a conta. Quanto aos defeitos? Nada tão grande que Maria não pudesse lidar com eles.

Os encontros eram perfeitos. A cada palavra, gesto ou carícias trocadas Maria sentia o coração acelerar e as pernas bambearem. Longe dele, pensamentos e memórias dominavam seu coração. Perto dele, o amor extravasava sua existência colorindo tudo por onde passava.

Maria e Gustavo se conheceram durante uma confusão.

Maria estava sentada em frente ao balcão do bar, desanimada, não sabia nem o que escolher para beber. Demitida recentemente, já havia esgotado suas economias em contas e despesas. Não havia projeção futura para um novo emprego dada a crise do país, sua área de atuação estava um caos. Maria ainda tinha em conta trezentos reais para passar o mês, duzentos de reais em contas à vencer e nada além disso.

O desespero tomava conta de seu ser. Se toda a situação financeira e profissional não bastasse, Maria havia terminado um relacionamento de longa data no mês anterior. Kleber, seu ex-noivo, havia a traído com uma prima. Mais grave que isso era a proximidade da prima. Laura cresceu junto de Maria, como irmãs, debaixo do mesmo teto. Maria se viu em uma situação complicada quando descobriu o relacionamento dos dois e seus pais defenderam Laura. A situação vulnerável da prima, órfã aos 4 anos após um trágico acidente que determinou os pais de Maria como seus guardiões legais, sempre a colocara em vantagem diante das situações dentro de casa. Mais uma vez Laura foi vista como uma vítima que se envolveu com Kleber devido à carência e à saudade de seus pais, à uma necessidade de amor que Maria nunca poderia compreender.

Maria não se controlou.

Brigou com os pais tentando demonstrar à eles diversas situações nas quais Laura foi vista como uma vítima sem necessidade, pois era absolutamente responsável por seus atos. Mas, Laura, ao longo dos anos havia desenvolvido um choro especial que amolecia os corações dos pais de Maria e uma vez mais se livrou da punição. Descontente, Maria saiu de casa e foi se aventurar com a locação de uma kitnet.

Aluguel, despesas, contas, Maria poderia arcar com tudo caso não tivesse sido demitida apenas uma semana após a mudança devido à uma redução de custos na empresa. Kleber agora era noivo de Laura que ficou com o quarto de Maria para si. Seus pais a viam como uma pessoa incompreensiva e rebelde indigna de ajuda a menos que retornasse para casa. Provinda de uma família pequena, avós falecidos, tios falecidos, sem nenhum outro parente, ou amigo a quem recorrer, Maria se sentou naquele bar, debruçou sobre o balcão e pensou em beber. Mas, Maria nem ao menos sabia o que beber.

Já Gustavo, estava ali, no mesmo bar, só para relaxar e acompanhar os amigos em mais um happy hour. Cansado depois de um dia de trabalho pesado, usava suas últimas forças para contar piadas e fazer os amigos se divertirem. Problemas? Sim, Gustavo os tinha. Sua mãe estava doente, câncer, não havia mais esperança e a contagem do tempo já estava no final. Seu pai, falecido há muitos anos. Sem parentes próximos ou distantes. Sem irmãos. A profissão? Bem sucedido, mas na mesma empresa que sua ex-esposa ficava difícil conviver profissionalmente devido à relação hierárquica existente onde ela tirava vantagem de seu posicionamento para perturba-lo.

Gustavo tinha uma perspectiva diferente de Maria.

Ele não desanimava nunca e quando se via frente a um problema, ao invés de lamentar, se esforçava para encontrar uma solução. No caso de seu casamento, após diversas tentativas de solucionar o problema da compulsão por compras de sua esposa e se afundar em dívidas e empréstimos para ajudá-la, ele compreendeu que a solução seria seguir sozinho. Procurar uma solução e aplica-la ao problema independente de quanto doa. Era isso o que ele fazia enquanto contava piada aos amigos. Da boca para fora qualquer piada os faria rir, dado os chopes que já haviam tomado. Em seus pensamentos, Gustavo buscava uma solução para não ter mais de reviver sua história com a ex-mulher dia após dia dentro da empresa.

O momento não era ideal para buscar um novo emprego. O mercado estava fechado para novas contratações e as demissões aumentavam a cada momento. A economia do país estava tão ruim quanto as dívidas que havia acumulado em seu casamento e também com a separação. Mas, permanecer ali não era uma opção.

No outro lado do bar, Maria olhava para a parede com prateleiras de bebidas à mostra sem saber o que escolher. Sem saber o que fazer.

Maria se sentia sem gostos, sem opções, sem perspectivas, sem vida.

Um dos amigos de Gustavo se levantou e foi até o balcão buscar mais uma bebida. Encostando no balcão acidentalmente esbarrou em alguém. Maria. Bêbado, jogou uma cantada furada que fez Maria olhá-lo com deboche e se movimentar um pouco para o lado evitando-o. Maria notou que o rapaz estava bêbado e olhou para si. Desesperada, sem rumo, sem destino, sem dinheiro e em um bar? O que isso iria mudar em sua vida? Ficaria no máximo como aquele rapaz estava. Maria se levantou e saiu.

O rapaz sem graça tentou ir atrás dela para se desculpar. Gustavo estava vindo ao seu encontro para se despedir, estava tarde e queria passar no hospital para visitar sua mãe. O amigo, com um copo novo e cheio de bebida em mãos, acabou tropeçando e derrubando toda a bebida em Gustavo. Rindo do amigo atrapalhado e bêbado Gustavo se despediu e saiu do bar. Maria procurava as chaves do carro na bolsa, parada em frente à porta. Gustavo se aproximou para tentar sair, mas seu amigo voltou e o abraçou abruptamente pelas costas gritando para que ele voltasse. Gustavo sem querer esbarrou em Maria que com as chaves em mãos foi em um solavanco para frente e derrubou as chaves no chão.

O problema? A chuva!

Maria estava em frente à porta porque a chuva estava forte e ela não queria se molhar muito enquanto procurava as chaves, então aproveitou o toldo do bar para fazer isso e depois correria até o carro. Mas, assim, atrapalhou a saída do bar e quando Gustavo esbarrou nela empurrando-a para frente, as chaves caíram direto na boca de lobo que tinha à sua frente e foram engolidas e digeridas pela enxurrada de água que descia por ali.

Desesperado vendo o que causou, Gustavo empurrou o amigo para dentro do bar novamente e foi ao socorro de Maria. Ajoelhou no chão para tentar ver dentro da boca de lobo. Mas, não seria possível. Maria ficou ainda mais desesperada. Era só o que faltava. Desempregada, sem dinheiro e sem a chave do carro. Gustavo se ofereceu para chamar o chaveiro, mas Maria negou, afinal, não teria como pagar. Gustavo se ofereceu para fazê-lo. Nenhum chaveiro poderia atende-los dado a chuva. Gustavo pensou em chamar um táxi para Maria. Mas, se ofereceu para leva-la. Maria, sentiu medo de aceitar a carona de um estranho. Olhou bem para ele e sentiu algo diferente. Paz. Segurança. Aceitou.

Foi no caminho até a casa de Maria, que eles conversaram muito. Tanto que ao estacionar em frente à casa, foi como se já se conhecessem. Trocaram telefones e se falaram todos os dias, por oito meses.

Gustavo sempre tentava incentivar Maria, motivá-la. Conseguia. Maria encontrou um novo emprego, ajeitou sua situação financeira e nunca imaginou que se daria tão bem vivendo sozinha. Conseguiu perdoar os pais e não rir da cara da prima quando a mesma descobriu que Kleber a traíra também com uma de suas amigas. Tudo na vida de Maria parecia estar se ajeitando e estar muito melhor do que antes.

Maria também sempre tentava ajudar Gustavo. Motivá-lo. E sugeria milhões de ideias para que ele pudesse resolver os problemas. Foi assim, que Gustavo teve a ideia de abrir o próprio negócio e há seis meses só fazia triplicar o faturamento.

Depois de tantos meses de conversas e já se conhecendo tão bem, Gustavo convidou Maria para jantar. Inexplicavelmente, Gustavo que era extremamente extrovertido se viu tomado por uma timidez sem tamanho. Maria por outro lado, sentia que o conhecia tão bem e se sentiu tão bem perto dele que podia ouvir seu cérebro gritar implorando por um beijo.

Ambos sentiam algo diferente. E foi quando Gustavo tomou coragem em uma taça de vinho e beijou Maria que ambos descobriram o que estavam sentindo e o que sentiram desde a primeira vez que se viram.

A gente sabe quando é real. Sabe quando é verdade. Sabe quando é amor. Nem sempre ele dura ou acontece como imaginamos, mas a gente sempre sabe quando ele aparece.

Os anos se passaram, e a cada dia Maria e Gustavo só sabiam se amar mais e mais. Mesmo diante dos problemas, enfrentando os infortúnios juntos, a felicidade, alegria e a sensação inesgotável de realização se tornaram constantes. O coração acelerado, a respiração ofegante, os pensamentos confusos, aquela sensação de borboletas no estômago e aquele sorriso bobo nos lábios. Dia após dia. Envelhecer se tornou prazeroso e um desejo em seus corações, desde que juntos. E, isso já faz 60 anos.

Maria e Gustavo são apenas mais uma história comum. Uma história de amor. Mas, essas também merecem destaque. Porque quando é puro, verdadeiro e faz feliz, o amor merece mais destaque do qualquer outra história repleta de altos, baixos e desfechos.

 

 

Autora: Thais Paolucci

 


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