Querido ego
Quando percebi me senti molestada. Sim, molestada é a palavra que mais se aproxima do que me senti.
Durante anos tive meu corpo, meus sentimentos e minha alma tomados de mim. Não posso dizer que os entreguei. Afinal o que no início fora entrega rapidamente se transformou em um algo pego à força.
O amor, a alegria, a felicidade, a companhia, a compaixão e qualquer outro tipo de sentimento bondoso que existia em mim. Todos foram tomados.
Quando me dei conta, somente a moléstia poderia descrever o que aconteceu.
É fácil culpar ao outro. Eu poderia citar aqui o nome do agressor. Um nome, ou mais, para aquele que tomou tudo de mim. Aquele que tomou minha alma, minha vida.
Mas, não devo atribuir isso a outra pessoa. Porque a realidade é que o autor deste crime que se repetiu por anos está em mim. Meu ego. Meu superego. A junção do meu corpo com meus sentimentos e minha alma.
No início, todos sentimos o doce prazer da vida. Respirar e sentir o ar oxigenar todo o nosso corpo. Uma sensação maravilhosa de contentamento pela qual ansiamos cada vez mais.
Com o passar dos dias vamos experimentando novas sensações que só fazem trazer prazeres ao ego. Quando empolgado, ele perde o controle e se mete em alguma enrascada que o priva do prazer, rapidamente ele transforma o que vemos e o que sentimos em culpa. Não para si mesmo. Ele culpa um outro alguém.
Quantos amores roubados, quantas ciladas, quantos desencontros e quantas lágrimas já foram derramadas quando nos feriram, nos traíram, nos ofenderam, tiraram algo de nós. É assim que pensamos. É como sentimos. Sentimos que um outro alguém nos feriu.
A realidade? Ela é simples. Mas o ego não nos permite enxergar. Quando não culpa um outro alguém, culpa a si mesmo e nos leva à beira do abismo.
Ah, quanta tolice!
A linha é tênue entre culpar alguém e culpar a si mesmo. Muito mais fácil culpar a outro.
Quando a culpa recai sobre si o ego se vê frustrado e confuso. Precisa desesperadamente tirar esse peso de si e então, nos engana mais uma vez e nos faz cometer erros absurdos para destruir quem somos. Bebidas, drogas, automutilação, falta de respeito a si mesmo, depressão, suicídio. O ego não pode dar o braço a torcer. Ele não pode simplesmente entender que prejudica a si mesmo em qualquer circunstância. Do estase ao martírio. Quando o ego é que nos rege, ele nos afunda. É só o que ele sabe fazer.
O ego? Nada além de uma confusa junção dos prazeres da terra com uma alma esquecida.
Quando ele começou a se calar, quando eu resolvi retomar o controle… então me senti molestada. O ego tomou de mim minha essência. Quando resolvi recobrá-la, ali estava ele gritando e causando uma verdadeira confusão na mistura orgânica e astral que me compõe.
Ah ego, querido… podemos ser amigos. Deixe-me conduzir o meu ser. Prometo-lhe prazeres inestimáveis. Prometo-lhe alegrias duradouras.
Sem expectativas que caminham para a frustração. Sem anseios mal resolvidos. Sem liberdades falsas ou tomadas. Sem almas vendidas e sentimentos leiloados. Deixe-me conduzir o barco e cale-se. Não me moleste mais. Não me engane mais. Eu recuso sua futilidade. Eu recuso seu prazer passageiro e seu intenso e profundo vazio.
Deixe-me olhar com os olhos abertos, observar as cores, as almas, a individualidade, a vida. Deixe-me respeitar o outro por sua essência e enxergar além do ego alheio.
Quando percebi, me senti molestada. Me senti mais forte, mais experiente e mais preparada. Já não preciso mais ceder, não preciso abaixar a voz e caminhar na direção que me ditou. Quando percebi, pude respirar, falar por mim e ir além.
Ah, querido ego… sim, querido. Só me destes forças para voltar. Forças para seguir e para enxergar que você está. Mas, eu sou!
Obrigada por sua fraqueza. Eu vou calar você cada dia mais. Chegou a hora de trocarmos de lugar.
Estou aqui para viver. Eu sou parte desta oportunidade. Obrigada por estar. Obrigada por cada lição. Cada sufoco me serviu como um belisco para reagir a você.
Seguiremos juntos. Não há como mudar. Estamos juntos. Aqui, neste lugar. Você sempre estará e serei. Quando você deixar de estar… lamento, mas conforte-se… eu ainda serei!
Autora: Thais Paolucci
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Como diz o mestre DeRose, não temos como extinguir o ego, por isso só nos resta educa-lo.
Bela reflexão minha amiga querida!
Bjos
Obrigada Naty, tenho estudado e aprendido muito, mas ainda há muito o que aprender. Vamos tentando educar estes pequenos monstrinhos, não é? rs