Sua volta para casa, para si

Naquela mesa de bar, olhando para o fundo dos olhos de Matheus, Nádia soube. Aquela seria a última vez em que se veriam. A última vez em que Nádia olharia para os lindos e enebriantes olhos azuis de Matheus que tanto a encantavam.

Enquanto ouvia Matheus devanear sobre suas últimas experiências, o discernimento inevitavelmente chegou à Nádia, que em pensamento se preparou para o adeus que mais lhe traria dor em toda a vida.

Com poucas palavras, Nádia encerrou o assunto, se despediu amigavelmente, como se um outro dia fosse existir para eles. Derramou, como de costume, sua admiração por Matheus na saudação e partiu. Desta vez, sem olhar para traz. Rumo à sua nova vida sem aquele peso, sem aquela agonia, sem aquele desamor.

Ao dirigir de volta para casa, Nádia só pode concluir em uma conversa pura, ainda como que olhando para Matheus, mas em pensamento:

“Hoje, uma vez mais, eu te vi perdido. Te vi desesperado. Angustiado dentro de si. Sem saber quem é ou para onde ir. Todo caminho te parecia sinuoso. O perigo o rondava. A dúvida estava te consumindo. Incertezas sobre incertezas.

Tudo o que você um dia acreditou parecia ter desabado diante dos seus olhos. Não via mais sentido em seus próprios valores. E que valores? Você os perdeu pelas ruas nos últimos anos e nem se deu conta. Quando viu já não sabia mais quem era e como chegou até ali.

Com todo o meu amor o assisti contar suas peripécias e experiências tão inebriantes que te mantiveram anestesiado da realidade. Te vi ferido. Despedaçado. Tentando esconder tudo isso de mim. Logo de mim… Tentei te fazer sorrir e me deliciei com os poucos momentos em que consegui te trazer de volta a si. Mas, logo em seguida observei com frustração a realidade na qual você se inseriu te trazer toda a dor de volta.

Ah, meu amor, por quê? Ao acaso gostas de sofrer? Não o julgo por seus atos, nem ao menos por suas escolhas. Sei tão bem que o que te parecia seguro é também o que te faz sofrer.

Te vejo preso a uma realidade que odeia e que te distancia dos seus sonhos. Ouvi cada palavra sua destruir os meus também. Mas entendi que eu seria sempre o seu retorno seguro para casa. Quando se sentisse perdido, sem saber o que fazer. Quando nada mais estivesse funcionando. Quando você se sentisse sufocado por tudo o que criou para se esconder. Então num grito agonizante você me procuraria. Mas em mim, só encontraria você.

Sou seu retorno, sou sua volta para casa, sou sua tentativa acertada de se encontrar sempre que se perder.

Isso não me serve. Isso não leva nenhum de nós adiante. E por amar-te incondicionalmente é que hoje te abandono, de fato. Para que cresças e consiga, quem sabe como ou quando, encontrar a si mesmo sem precisar de um outro alguém para te dar forças e te trazer para a sua realidade esquecida.

Boa sorte! Que a luz o guie e que a escuridão não o consuma outra vez. Que você consiga adequar a sua vida atual a quem você realmente anseia ser. Ou então, sinto muito, mas seu passe de volta não serei mais eu.”

Poucas lágrimas escorreram pelo rosto de Nádia enquanto a conversa acontecia. Agora, ela se sentia livre, leve e pronta para esquecer e finalmente viver sem voltas.

Autora: Thais Paolucci